sábado, 20 de agosto de 2011

1991, um ano rock: Nirvana

As luzes apagadas.

"With the lights out / it’s less dangerous" (com as luzes apagadas / é menos perigoso). O primeiro verso do refrão de "Smells Like Teen Spirit" soa como uma cruel ironia, 20 anos depois do lançamento do disco que é quase um consenso quando se pensa no último "clássico obrigatório" do rock.

"Nevermind" puxou todas as luzes para o Nirvana e espalhou as vísceras do rock alternativo na cara do grande público. Subverteu o sistema. Revolucionou os conceitos de underground e mainstream. E o calor dos holofotes foi sim perigoso. Mais do que isso, foi fatal para Kurt Cobain.

Este disco do Nirvana fez tanto sucesso que foi decisivo para alavancar as carreiras de outras bandas como Pearl Jam, Alice in Chains e Soundgarden, além de ajudar a enterrar a farofada hard rock dos anos 80. Mais que isso, fez com que se prestasse mais atenção no que acontecia nas garagens dos subúrbios. Provou que o sonho é possivel.

Mas o que faz este disco tão especial? Uma série de fatores.

O álbum anterior do Nirvana já trazia a essência do que temos aqui, mas "Bleach" era mais tripas, mais bruto, menos lapidado. Um punk-sujeira. Em Nevermind o Nirvana teve a manha de embalar sua fúria num embrulho mais apresentável.

Dominaram a fómula verso calmo/refrão nervoso/verso calmo. E ainda teve a estreia de Dave Grohl na bateria, talvez o maior legado que o Nirvana deixou ao rock. "Here we are now / entertain us" (estamos aqui agora / entretenha-nos). Em "Smells Like Teen Spirit", Kurt cantou a apatia de sua geração e a busca por alívio, numa espiral de alienação e conforto passageiro que não leva a nada muito construtivo. Nada muito diferente do que vivemos hoje na geração do "xinga muito no Twitter". Talvez por isso este disco do Nirvana ainda permaneça importante e, repito, figure como o último clássico obrigatório do rock. A potência punk do refrão e o impressionante voz rasgada de Kurt não deixam ninguém indiferente a esta música. É fantástico como Kurt Cobain tinha voz limpa e bonita para as partes lentas mas gritava como se tivesse um pedal de distorção na garganta quando era preciso.

Não é necessário repetir aqui sobre a exibição exaustiva do clipe desta música na MTV, da moda das camisas de flanela e o visual sujo e largado que dominou as ruas. Vamos nos deter à música.

Em “Come As You Are”, por exemplo o efeito do pedal chorus na guitarra dá uma certo equilíbro oitentista à canção, enquanto a bateria esperta de Grohl sabe a hora certa de atacar. A bela voz de Kurt finaliza o serviço. É praticamente um pop-rock que não ofenderia sua tia num churrasco com a família. "And I swear that I do'nt have a gun" ( e eu juro que não tenho uma arma). Em compensação, este se tornaria um dos versos mais perturbadores de Kurt, após seu suicídio pouco mais de dois anos após o lançamento deste álbum.

A letra de "Lithium" é apontada como uma amostra da personalidade de Kurt. "I'm so ugly / that's ok cause so are you / we've broken our mirrors" (eu sou tão feio / tudo bem, pois você também é / nós quebramos nossos espelhos). Isso diz muito sobre a atitude marginal e desencantada do grunge da época. O instrumental também é um típico Nirvana, com seu formato circular, uma batida que lembra músicas de acampamento, de excursão, um certo fundo de inocência profundamente pervertido pela amargura desesperada de Kurt.

O que me intriga nessa música é que ela tem o refrão mais dançante no Nirvana e nos vídeos ao vivo toda a plateia pula e dança loucamente, numa celebração rock'n roll da vida. A banda toca com gosto e todos sorriem e curtem. O único fora da festa é Kurt. Totalmente alienado do que acontece ao redor, sua performance é de dor e não de celebração. Essa tensão nos shows do Nirvana é muito clara. Talvez a banda tenha sido tão amada que não se percebia que a poesia era escrita com sangue.

O disco ainda traz canções acústicas como a perturbadora "Polly" (sobre a tragédia de estupro e tortura de uma garota contada sob o ponto de vista de seu algoz) e "Something in The Way" (sobre o mito de que Kurt morou debaixo de uma ponte em Aberdeen, sua cidade). Mas o que consagrou o disco foi a fórmula grunge que combinou punk rock, música suave, música nervosa, gritos, sussurros, batida pop e muita verdade.

A série sobre 1991 segue com os discos lançados por Ozzy Osbourne e Red Hot Chili Peppers. Valeu!

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