Ele observava os dedos fazerem movimentos rápidos, voando sobre as
teclas e apertando numa velocidade que seus olhos mal podiam
acompanhar. E o barulho insistente, tec-tec-tec. Uma sinfonia que
penetrava nos ouvidos e tomava o ritmo de música eletrônica,
acachapante.
Mas
ele não tinha vontade de dançar. Não. Ele sentia que seus dedos
não foram feitos para movimentos tão finos e coordenados. Eles
estavam acostumados a ser parte de um sistema mais rude, dedos fortes
que carregam a enxada, dedos grossos de calos de tanto trabalhar a
terra. Tardes intermináveis com seu pai na roça plantando de tudo e
carpindo, carpindo sem parar.
Agora
não, agora ele estava ali, numa sala fechada no meio de
computadores, com uma oportunidade na mão e muita saudade no
coração. Seus dedos ainda estão calejados e seu coração sente o
chamado de lá fora, do ar fresco, do mato. Saudade de tomar água na
beira do riacho e de chupar manga depois do almoço.
Tudo
isso ficou para trás. O pai morreu e o tio o levou para a cidade
dando este novo emprego de auxiliar administrativo. Ali não tinha
mais enxada, tinha computador, não tinha mais manga no pé, tinha
mouse. O café era de uma máquina barulhenta e tinha gosto de sola
de sapato. As meninas eram bonitas, mas isso não lhe despertava o
interesse, apenas o deixava mais acanhado com tudo.
Suava
frio. Após uma rápida explicação, lhe deram o primeiro documento
para digitar. Os dedos não voaram em um balé coordenado, foram
lentos caçando cada letra, chuviscos espaçados que demoraram a
preencher o papel virtual daquela tela luminosa que o incomodava com
sua claridade. Seu tec tec ia assim, como quem catava milho com as
pontas dos dedos, e disso ele entendia porque na roça eles tinham
galinha e desde criança ele gostava de chamá-las jogando o milho na
terra.
Sentia
os dedos duros, reclamando daquele trabalho tão pesado de voar sobre
as teclas. Doeu até os pulsos. Não percebeu a ironia da situação,
de como largou o trabalho braçal no campo, que para ele, se era
sofrido, também era tão natural, e caiu na provação cruel de um
escritório. Não reclamou. Pensou, “amanhã vou trazer uma manga”.