terça-feira, 22 de abril de 2014

Está difícil gostar de futebol


No ano da Copa, o país do futebol viu seu principal campeonato começar de forma péssima. Na estreia do Campeonato Brasileiro, três jogos terminaram em 0 a 0. O burocrático e cínico futebol praticado no país mostrou na primeira rodada o que já nos acostumamos a ver: lentidão, falta de criatividade e simulação de faltas.

A obsessão do jogador brasileiro em cavar faltas tem um resultado terrível. A bola está mais tempo parada do que em jogo. Nenhum jogo da primeira rodada teve ao menos 60% de seu tempo com a bola rodando, que é o mínimo recomendado pela Fifa. Porém, não é preciso ser um perito da entidade máxima do futebol para enxergar o óbvio.

Não nos enganemos. O jogo que representa o momento em que vive o futebol brasileiro não é os 3 a 0 que a seleção impôs à Espanha na final da Copa das Confederações. É os 8 a 0 que o Santos levou do Barcelona no trágico amistoso do ano passado.

Dá para enumerar as evidências. Hoje temos na seleção brasileira não apenas jogadores que atualmente atuam em times europeus, mas uma quantidade crescente de atletas absolutamente desconhecidos do torcedor. Para se ater apenas ao time titular da  final da Copa das Confederações, David Luíz, Daniel Alves, Luís Gustavo e Hulk foram apresentados a nós já vestindo a camisa amarela. No banco há ainda Dante e Maxwell. Há muitos outros bons jogadores que são desconhecidos do brasileiro e têm bola para jogar na seleção, como Phillipe Coutinho, Rafinha, Filipe Luís e o mais famoso, Diego Costa. Dava para montar umas três seleções brasileiras.

Outro ponto é a imbecil tara que os jogadores têm em se jogar para simular uma falta. Não entra na minha cabeça como alguém de frente para o gol prefere soltar o corpo e cair ao mínimo contato do que ir até o fim no lance e tentar a finalização.

Se falta competência para entrar jogando dentro da área adversária, porque não arriscar chutes de longe? Os chutes que vemos são raros e constrangedores. Parece que os jogadores desaprenderam a chutar de fora da área.

Fora do campo, nosso futebol também dá vexame. Na Série B, um oficial de Justiça foi a principal estrela do jogo da Portuguesa e paralisou a partida. Vergonha, fiasco para nós, o país do desperdício. Com tanta gente talentosa, com tantos torcedores apaixonados, parece que os comandantes do nosso futebol fazem de tudo para sucateá-lo.

O Bom Senso se tornou uma conversa de surdos. Cadê a greve na primeira rodada?

Um raciocínio não sai da minha cabeça. Li de alguém que o consumidor vai atrás de onde tem qualidade. Com a crescente repercussão dos jogos do futebol europeu no Brasil, periga de começar um esvaziamento e haver torcedores com o interesse lá no outro lado do Atlântico.

Também ouvi que os anciões da CBF se escondem atrás das 5 estrelas de campeão mundial do Brasil. Parece que ser o maior vencedor de Copas nos fez parar no tempo. Basta montar um time vencedor com a camisa amarela e todo o resto do futebol brasileiro que se dane.

É a pose como filosofia de administração. Estamos perdidos.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Letras tristes





Hoje morreu Gabriel Garcia Márquez. Uma perda terrível para a literatura contemporânea. Fico pensando que foi a morte mais sentida depois da ida de José Saramago.


Garcia Márquez é muito querido por uma geração um pouco anterior à minha. Li Cem Anos de Solidão e a saga da família Buendía, mas faz tanto tempo... me lembro que o clima era envolvente e que o sofrimento percorria o livro em cenas tocantes, como a da jovem prostituta que - além de ter o corpo coberto de queimaduras - precisava torcer o suor dos lençóis antes de receber mais um cliente.

Contudo, o livro de Gabo que mais me marcou foi "Relato de Um Náufrago". A obra não é ficção e sim um relato colhido de uma história real do tempo em que Márquez era repórter.

Conta a história de um jovem militar que estava a bordo de um destróier nos Estados Unidos, mas que acabou afundando no Mar do Caribe. Único sobrevivente, ele ficou dias à deriva em uma balsa inflável, mastigando cartões de papelão, cadarços e tentando pescar peixes com as mãos. Estava rodeado de tubarões o tempo todo.

A certa altura, consegue pegar uma gaivota com as mãos fingindo-se de morto. Ele fez tanta força para quebrar o pescoço do bicho que quase arrancou a cabeça. Lembro da descrição da facilidade para desmembrar a ave, que era assustadoramente frágil. Mesmo desesperado de fome, o náufrago não conseguia comer aquela maçaroca de carne e sangue. Enojado, arremessou aos tubarões.

Foi meu pai que me recomendou esse livro, o que o torna mais especial para mim. Foi a partir dele que tomei gosto por histórias de náufragos e também sobre escritores latino-americanos. De certa forma, Garcia Márquez me levou a Mario Vargas Llosa, de quem gosto demais.

É triste a perda de uma grande artista como Gabo e mais triste ainda se questionar: quantos mais vão nos fazer tanta falta quanto ele?


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Cauby: como é cruel cantar assim


Em 2013, realizei um desejo. Assisti a um show de Cauby Peixoto.

Cauby sempre me chamou a atenção. Pelo nome. Pelas roupas espalhafatosas. Pelo vozeirão. Pela peruca. Por ser velho. Por ser da época do rádio.

Mas principalmente por carregar numa certa androginia. Meio galã, meio bichona, ele esconde entre caracóis, pó de arroz e uma pintinha de pin up algo de uma interrogação rock'n roll.

Seu show surpreende. A cada música, não se sabe se Cauby vai alcançar um grave de reverberar no peito, se vai esquecer a letra ou parar tudo para anunciar que vai gravar um disco de jazz.

Banda a postos, o astro é gentilmente conduzido pela mão por uma sorridente senhora até sua cadeira no centro do palco. Veste um blazer de lantejoulas. Saúda a plateia. Coloca os óculos de grau e se volta para o suporte à altura dos olhos, onde estão as letras. É a deixa para o show começar.

A voz impressiona. O repertório é de clássicos do cancioneiro nacional da primeira metade do século passado. Dá-lhe "Chão de Estrelas" e serestas que eu nunca ouvi falar. Não é o tipo de música que escuto no dia a dia, mas é um pedaço do passado musical brasileiro lutando para viver.

Cauby já não tem mais condições de fazer uma apresentação completa. Duas ou três músicas na TV, ok. Um show completo, não.

Deve ser enlouquecedor tocar na banda desse cara. Os músicos seguem Cauby e o amparam assim como a cuidadora que o deixou no palco. Ele se perde. Se enrola com o andamento das músicas. A certa altura, apenas murmurava a melodia. Não foram poucas as vezes em que, avoado enquanto os músicos executavam a canção, ele confessa: "estou perdidinho. Vocês me ajudam?", se dirigindo ao público. Todos são amorosos com Cauby.



No melhor momento do show, ele fica sozinho com o violonista Ronaldo Rayol. Canta lindamente "Granada", que tem um violão flamenco simplesmente inacreditável, e emenda várias serestas.

No repertório, há canções prontas para o arrebatar a plateia. As senhoras ficaram em polvorosa aos primeiros acordes de "Emoções", de Roberto Carlos. Pena que Cauby esqueceu a letra. De minha parte, surpresa quando o grande intérprete arriscou "Something", dos Beatles. Frustração: cantou de forma burocrática. Parece que ele guarda seu melhor para as canções preferidas.

De "Bastidores", sucesso que é meu preferido: "como é cruel cantar assim". Cauby é uma estrela se apagando sobre o palco.