terça-feira, 6 de maio de 2014

O Poço


Quando a privada mortal estourou o crânio de um torcedor em Pernambuco, o barulho que ouvi foi o eco de uma pedra que encontrou o fundo do poço.

No parapeito de um estádio de futebol, com a porcelana nas mãos, o agora identificado como Everton Filipe Santana era a semelhança de alguém que encosta na borda de um poço no meio do mato e quer saber se é fundo. Ao jogar uma pedrinha lá dentro, o sujeito consegue ter uma noção de sua profundidade, se talvez há água ali.

O poço que se abriu por instantes no Estádio do Arruda era escuro, macabro e selvagem. Era uma fenda que nos ligava ao que temos de mais primitivo e animalesco. Na pele de Everton Santana, num gesto insano, resolvemos testá-lo.

A notícia que tenho é que parece faltar pouco para chegarmos ao nível mais baixo desse poço maldito.

Pela frequência e capilaridade, deixaram de ser isolados os casos de violência extrema que vemos no noticiário. 

É o ladrão que foi espancado e amarrado ao poste, o pedófilo suspeito que teve o pênis cortado, a dentista que foi queimada viva por assaltantes, outra dentista que foi estuprada e assaltada em seu consultório. Teve a família que encontrou a cabeça do parente em uma mochila na porta de casa e o juiz de futebol degolado dentro de campo. A mulher arrastada no asfalto por uma viatura de polícia foi seguida pelo menino diabético morto pelo padrasto por excesso de insulina e o menino morto pela madrasta com uma injeção letal.

As capitais estão anestesiadas com a violência e as cidades pequenas chocadas a crueza do que seria impensável. Não há para onde correr.

Penso: será que foi sempre assim?

Talvez pedófilos, assassinos cruéis e toda sorte de barbaridade sempre tenham existido, a diferença é que hoje há muito mais olhos para ver. 

Com uma câmera em cada celular e uma notícia por segundo na internet, o que antes passaria batido hoje ganha repercussão nacional.

O caso mais recente acertou esta questão de maneira atordoante.

A mulher do Guarujá foi espancada até a morte pelos vizinhos por causa de um boato em uma página do Facebook. A página dizia que uma mulher estaria sequestrando crianças para rituais de magia negra e publicou um retrato falado.

Os detalhes do caso são cinzentos, mas o que se tem certeza é:
- Não houve nenhum caso de sequestro ou morte de crianças em rituais no Guarujá nos últimos meses.
- O retrato falado foi feito no Rio de Janeiro para descrever uma mulher que cometeu um crime em 2012.

Por acaso, o retrato se parece com a mulher do Guarujá. Os moradores, mesmo sem ter uma criança desaparecida para suspeitar, mesmo que a mulher fosse mãe de duas crianças, trucidaram-na porque ela se parecia com um desenho que eles viram no Facebook.

“Click, plau plau plau e acabou. Sem dó e sem dor”, diriam os Racionais.

Parece loucura, mas a privada atirada do Recife cruzou o mapa do país e acertou uma vítima no Guarujá.

As mãos têm o mesmo dono: a estupidez.

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