quarta-feira, 9 de abril de 2014

Cauby: como é cruel cantar assim


Em 2013, realizei um desejo. Assisti a um show de Cauby Peixoto.

Cauby sempre me chamou a atenção. Pelo nome. Pelas roupas espalhafatosas. Pelo vozeirão. Pela peruca. Por ser velho. Por ser da época do rádio.

Mas principalmente por carregar numa certa androginia. Meio galã, meio bichona, ele esconde entre caracóis, pó de arroz e uma pintinha de pin up algo de uma interrogação rock'n roll.

Seu show surpreende. A cada música, não se sabe se Cauby vai alcançar um grave de reverberar no peito, se vai esquecer a letra ou parar tudo para anunciar que vai gravar um disco de jazz.

Banda a postos, o astro é gentilmente conduzido pela mão por uma sorridente senhora até sua cadeira no centro do palco. Veste um blazer de lantejoulas. Saúda a plateia. Coloca os óculos de grau e se volta para o suporte à altura dos olhos, onde estão as letras. É a deixa para o show começar.

A voz impressiona. O repertório é de clássicos do cancioneiro nacional da primeira metade do século passado. Dá-lhe "Chão de Estrelas" e serestas que eu nunca ouvi falar. Não é o tipo de música que escuto no dia a dia, mas é um pedaço do passado musical brasileiro lutando para viver.

Cauby já não tem mais condições de fazer uma apresentação completa. Duas ou três músicas na TV, ok. Um show completo, não.

Deve ser enlouquecedor tocar na banda desse cara. Os músicos seguem Cauby e o amparam assim como a cuidadora que o deixou no palco. Ele se perde. Se enrola com o andamento das músicas. A certa altura, apenas murmurava a melodia. Não foram poucas as vezes em que, avoado enquanto os músicos executavam a canção, ele confessa: "estou perdidinho. Vocês me ajudam?", se dirigindo ao público. Todos são amorosos com Cauby.



No melhor momento do show, ele fica sozinho com o violonista Ronaldo Rayol. Canta lindamente "Granada", que tem um violão flamenco simplesmente inacreditável, e emenda várias serestas.

No repertório, há canções prontas para o arrebatar a plateia. As senhoras ficaram em polvorosa aos primeiros acordes de "Emoções", de Roberto Carlos. Pena que Cauby esqueceu a letra. De minha parte, surpresa quando o grande intérprete arriscou "Something", dos Beatles. Frustração: cantou de forma burocrática. Parece que ele guarda seu melhor para as canções preferidas.

De "Bastidores", sucesso que é meu preferido: "como é cruel cantar assim". Cauby é uma estrela se apagando sobre o palco.







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