domingo, 23 de maio de 2010

Tiozinho do Picolé, a alegria em pessoa



Esse personagem é muito querido na cidade de Iperó/SP.

“Todo mundo qué/ todo mundo qué/ ficar numa boa/ chupando um bom picolé!”. Muita gente sai de casa catando moedas e espera na beira da calçada quando ouve uma voz rouca, mas firme, cantando versos sobre as maravilhas do sorvete de palito. Um senhor magro dobra a esquina empurrando seu carrinho e logo é rodeado por crianças, mães, rapazes, e quem mais estiver a fim de refrescar o calor com sabores que vão do limão básico ao Skimo, com sua cobertura um tanto borrachuda de chocolate.

Em Iperó não há quem não conheça o Tiozinho do Picolé, 67 anos, que mais que um sorveteiro é um personagem folclórico. Percorre a cidade entoando suas músicas, quase “cantigas publicitárias”, num conjunto de jaleco e boné brancos bordados com seu apelido - “minha filha Márcia que me deu”, faz questão de dizer - e o carrinho incrementado onde se lê o slogan “tem prá home, tem prá muié, só não chupa quem não qué”!

“O problema de andar na rua o tempo todo é que às vezes não tem banheiro”. E é verdade. Depois de vender quatro picolés para dois velhos fregueses, Tiozinho pede atenção e, sem graça, cochicha no ouvido de um, feito criança insegura. Recebe sorriso e tapinha nas costas. Então o homem do picolé entra pela sala. Da calçada o dono do banheiro dá o toque: “Terceira porta à esquerda!”

Tiozinho vive preocupado em mostrar vigor e disposição. Ele conta que sua filha sempre acha que o pai está “ruim”. “A Márcia fica sempre brigando comigo porque eu bebo. Mas eu não fumo, não tomo pinga. Só gosto de cerveja e não misturo!”. Quando nos encontramos, Tiozinho estava um pouco agitado, parecia não ordenar bem as idéias. À sua volta, algumas latas de cerveja vazias. “Só tomei duas que eu paguei e os amigos pagaram o resto”. Pedi para irmos andando. No começo do trajeto, é ele quem pediu: “liga pra minha filha e fala que eu tô bem”. Aos poucos o vendedor se solta, as músicas vão aparecendo e os fregueses fazem o carrinho ficar cada vez mais leve.


Os fartos cabelos brancos e o bigode fino que compõem a figura esguia não negam a origem sueca do guerreiro. Ele trabalha todos os dias, sempre no período da tarde.”Os novos de hoje não fazem nem metade do que eu faço, do que eu ando”, se orgulha o Tio. E o senhorzinho parece incansável, toma água oferecida pelos clientes, seja em casas, em oficinas mecânicas ou no comércio. “Já teve dia em que vendi 130 reais de sorvete”, conta. Cada picolé sai por 80 centavos e dificilmente sobra algum quando ele volta para casa no fim do dia. Aí a estratégia é promover os bombons gelados – sorvetes de massa cobertos de chocolate – que custam R$3,00. Marqueteiro, no fim da tarde lá vai o Tiozinho cantando: “Não fique na mão/Não fique na mão/Cabô os picolé/Mas eu tenho os bombom”.



Com 25 mil habitantes Iperó tem na avenida Paulo Antunes Moreira seu epicentro comercial. Quando Tiozinho chega na principal passarela da cidade, a anunciação vai na frente: “de bem ca vida/de bem ca vida/ é o picolé que tá chegando na avenida”! Não há quem não simpatize quando ele passa. Os jovens abrem um sorriso maroto com o “só não chupa quem não qué”. O fato é que Gagliardi inspira pureza e uma certa inocência com a sua espontaneidade. Foram estes mesmos jovens que o levaram-no para a internet. Sua comunidade no orkut já tem mais de 700 membros, embora ele só tenha uma vaga noção do que isso seja. “Deve ser uma coisa especial né?”

Tão especial que chamou a atenção de uma TV regional que veio a Iperó fazer uma reportagem sobre o Tiozinho. O carrinho que pesava muito, feinho, foi reformado. O piloto ganhou uniforme, banquinho portátil, guarda-sol e pintura personalizada no carrinho, que recebeu materiais mais leves. Se ele era conhecido, agora que se tornou famoso vende mais sorvete.

As músicas para vender o produto não vieram logo de cara. No começo ele chamava a atenção do modo tradicional, com uma buzina. “Mas ela quebrava muito, então eu resolvi chamar o povo na garganta mesmo”, explica. Durante o inverno, Tiozinho pendura o jaleco e vive de bicos. Vende rifas, latinhas de alumínio e tem disposição para pegar na enxada e carpir. Mas ele sabe bem qual é a paixão. “Eu amo o que faço. Não fico parado, gosto de sair cantando”.

“Tô gostando dessa pesquisa que você tá fazendo comigo. Agora fala pra mim, sou campeão ou não sou?”. É, Tiozinho. Nos lábios, mais um sorriso.


Um comentário: