domingo, 30 de janeiro de 2011

Não gosto de novela

Novela é um negócio que faz parte da identidade cultural do brasileiro - e da história da minha vida. Passei muitas noites com a minha mãe acompanhando capítulo a capítulo do fino da teledramaturgia global anos 90 afora. A Indomada, Torre de Babel, A Próxima Vítima, Laços de Família, O Clone, Porto dos Milagres... Uma das que mais marcaram foi O Rei do Gado, por causa da gosto da minha mãe pelas coisas do sítio. Mais para trás, uma das minhas primeiras lembranças sobre televisão é o pessoal da fazenda amassando cacau em Renascer... hum.... cacau.

Quando cresci um pouco mais, percebi que o formato da novela é uma coisa fantástica. Uma história que continua toda noite, que pode se alterar de acordo com a reação do público. É como um filme que passa todo dia um pouco e que demora pra acabar. É fantástico. Mas também percebi que eu não gosto mais de novela.

Diferente do cinema, o grande defeito da novela é a falta de sutileza. Tudo é explícito e arreganhado. Os personagens falam em voz alta o que pensam, sentem e tramam. Explicam para o espectador o que acontece a todo momento, como se algum lesado mental estivesse na frente da TV. E dão uma gargalhada tosca no final, como nos desenhos animados.

Some isso a uma linguagem profundamente asséptica. Esses dias o José Wilker teve uma diálogo mais ou menos assim com a esposa de seu irmão, Antonio Fagundes, que ele seduziu e levou:

(ela) -Mas você disse que sempre me amou!
(ele) - Ah Silvia, eu te disse isso só pra te levar pra cama!
(ela arregala o olho) - O que?!
(ele) - É isso mesmo, eu queria acabar com a vida do meu irmão e consegui! Você viu a cara dele? Quá, quá, quá, quá!
(ela)- GAAAAAAAAHHHHH! Seu cretino! Eu te odeio! Eu te odeio!
(ele) - Ah, pare com isso Silvia, você até que tava gostando....

Em outra cena, mais inacreditável, uma moça descobre que seu noivo pegou a futura madrinha de casamento dos dois. Ela telefona para o cara e grita "Seu traidor, Pedro! Eu sei de tudo! Traidor!!".

Traidor?

Esse povo do Leblon não sabe falar "Filho da puta! Porra, seu filho da puta! Você é um filho da puta!". Ah sim, porque é isso que esse cara é. E é isso que os telespectadores diriam se vivessem uma situação dessa, morando no Leblon ou não.

Óbvio, a ideia não é transformar o horário nobre num mosaico de grosserias do caralho. Mas eu acredito que o palavrão tem o poder de dar mais vida e verdade a uma obra, desde que usado com naturalidade.

Outra coisa, a novela se tornou apenas um desfile de estereótipos em situações premeditadas e previsíveis. e tudo se passando nos cenários da elite carioca. Chato.

O que incomoda é ver atores incríveis como Tony Ramos, Lima Duarte, Fernanda Montegro, o Fagundes, enfim todos os macacos velhos e ótimos da dramaturgia nacional se chafurdando nesse troço. Pelo menos eles dão brilho a algumas cenas.








terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O pedinte rodoviário

Tem uma coisa que eu costumo fazer todos os dias: frequentar rodoviárias. Não raro, passo por rodoviárias de duas, três, até quatro cidades em um dia. É essa vida cigana. E isso me faz conviver com um tipo muito comum das rodoviárias de Brasil afora, o pedinte.

Temos pedintes tortos, trêmulos e fedendo a bebida. Estes não convencem. Agora, o que intriga são os que trazem bilhetinhos, contam uma história. Isso me faz pensar um pouco. Quem nunca topou com um sujeito que te dá um papelzinho amassado escrito "sou surdo-mudo, preciso de 50 centavos para comprar feijão e leite para as crianças, Deus te abençoe". Isso me põe em dúvida. Olho pro cara, pode ser um garoto, uma moça, um senhor de meia idade. Muitos parecem ter a mesma ideia. Não estão esfarrapados. Usam sapatos. Que diabos, tome meus 85 centavos.

Ontem um rapaz me estendeu uma prancheta. Tinha um papel impresso com o cabeçalho da "Associação Brasileira de Surdos-mudos". Haviam feito até um logo para a entidade, no lado superior esquerdo. No alto do papel estava escrito "Campanha de Arrecadação de Donativos - colabore com 1 ou 2 reais para continuarmos atendendo quem precisa. Deus lhe abençoe". Na sequência havia uma lista em branco com campo para assinatura do doador e valor doado.

Mas caramba! Agora estipulam o valor a ser doado? Não posso mais esvaziar a carteira de moedas? Tem que ser 1 ou 2 reais? Bom, 1 real faz diferença pra mim. Assinei meu nome (eu era um dos últimos da página, que estava quase cheia), estendi meu catado de moedas de 5 centavos e marquei no campo doação "0,70". Para ajudar os surdos-mudos. Ou tome pela criatividade, vá saber.

Um espertalhão com cara de coitado melhora seu truque até na chegar numa prancheta apresentável. Uma associação simples mas limpinha passaria o chapéu em lugares populares e com alta circulação de gente. Uma rodoviária, por exemplo.